quarta-feira, agosto 24, 2016

O MITO & O SONHO


Por Krishnamurti Góes dos Anjos

“Mitos são histórias de nossa busca da verdade, de sentido, de significação através dos tempos”. Esta definição cunhada pelo estudioso norte-americano Joseph Campbell (1904–1987), vem de encontro a uma mitopoética praticada por alguns autores da literatura contemporânea. Mitopoética entendida como uma certa organização semântica que combina elementos da mitologia antiga com o objeto literário. Isto ocorre quando autores arquitetam suas tramas poéticas utilizando da fabulação mítica. Ou seja, poemas comprometidos com princípios (imutáveis e eternos) que intermedeiam o referencial cotidiano e as instâncias do imaginário.

Solange Firmino acaba de publicar pela Editora Benfazeja, “Fragmentos da insônia”, obra poética com fortes pendores e apelos ao mitológico, de forma que parte dos poemas atualizam mitos (ora sutilmente sob a forma de sombra, ora desveladamente), ressignificando a realidade por meio do imaginário simbólico, com o intuito de realizar sonhos. Nada melhor do que a mitologia para viabilizar tais anseios, e assim, redimensionar tempo/espaço e reescrever seu projeto existencial sem abster-se entretanto, de (re)pensar a condição humana na contemporaneidade. Cumpre lembrar a propósito, que o ato da criação literária está atrelado às camadas primordiais preexistentes nas profundas camadas do ser. Portanto manifestação do inconsciente de que a poesia se nutre ontem, hoje e sempre.
Trecho do poema “Renascimento”.


“Tal como o mito,
levanto-me discreta e lúcida.
Eis aqui meus versos eternos.
Abro minhas asas para o infinito e voo
mais uma vez”.


O ato da criação literária propriamente dita é outra vertente importante nessa obra (ao qual é dedicado mais de uma dezena de poemas). Usando de uma verticalização sugestiva a autora acaba por evidenciar a essência, o cerne do momento revelador, como acontece no poema,
“METAMORFOSE”.

A essência é a natureza de tudo.
No poema, a essência é a palavra
dita,
não-dita
ou sugerida.
  
O casulo do silêncio
prepara a palavra na raiz.
O poema nasce do casulo-ideia
abre suas asa e pousa
na brancura do papel
à espera de fonemas
que se transformem
em essência-ideia novamente:
Metamorfose”.

A essência do verso é o som da palavra.
Sagrado som
na essência da vibração:
Mantra.”


Este título “Metamorfose”, nos remete a uma terceira característica da criação literária de Solange Firmino, esta de caráter sintético, por assim dizer. Observamos no conjunto da obra, uma corrente de ligação semântica muito expressiva e recorrente, que denuncia seu ritmo como expressão daquilo que no mundo interior da autora é permanente movimento em espiral ascendente; o ritmo como sequência de sons, de sentidos, e de sentimentos, que formam uma unidade perfeita, obediente a uma sucessividade existencial permanentemente coesa, e expressa no ciclo: semente>ovo>casulo>crisálida>borboleta>voo>liberdade!

É graças à força da sugestão que Solange imprime em sua poética, tecida sobretudo para aqueles que sonham acordados, que o próprio sonho transposto em possibilidade, acaba predominando como realidade, e impõe o seu fascínio enquanto Vida.


REDENÇÃO
“O silêncio da noite,
antes insônia,
agora é despertar.
Assisto à vida sem pensar
em mais nada”.


Livro: Fragmentos da insônia, de Solange Firmino. São Paulo. Editora Benfazeja, 2016. 80p.


*** Quem quiser adquirir o livro, entre em contato comigo no e-mail solange.firmino@gmail.com

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